A lateralidade desperta interesse como potencializadora de performance em esportes de combate. Mas, até que ponto?
Você sabia que os canhotos tem uma data especial no calendário? Ao longo da história, muitos deles foram tratados como indivíduos especiais por se destacarem em várias modalidades esportivas. Na luta, são inúmeros os casos, como os boxeadores referências mundiais: Manny Pacquiao, Oscar De La Roya e Mike Tyson. No MMA, a lista é grande, com destaques para Rogério Minotouro, boxeador amador durante grande parte da carreira, Vitor Belfort, Mirko CroCrop, Rafael dos Anjos, Demian Maia, Conor McGregor, Holly Holm e muitos outros.
Esse conceito de lateralidade, de quando um indivíduo usa um dos lados do corpo de forma preferencial com mais precisão e força, é visto com certa importância na performance atlética.
É um mecanismo mais visível e impactante em esportes que envolvem dinamismo e interatividade entre indivíduos, como acontece no tênis, beisebol e na luta, por exemplo. Já na natação e no atletismo, isso não ocorre, por se tratar de esportes individuais, não havendo interferência dos adversários.
Por outro lado, cientistas acreditam que se a lateralidade esquerda oferecesse desvantagem ao indivíduo, essa característica teria sido excluída através de processos de seleção genética durante nossa evolução. O que não é o caso.
O fato é que os canhotos são minoria no planeta, representando 13% da população. Mas será que fazer parte desse seleto grupo tem suas vantagens nos esportes de combate?
Primeiro vamos começar pelas claras diferenças na forma de posicionamento do corpo na ação de um combate. Durante a luta em pé, o lutador canhoto, geralmente, luta na posição southpaw, com o pé direito à frente, enquanto aqueles com dominância no lado direito, usam a posição ortodoxa, na posição invertida. Cerca de 80% dos lutadores usam a forma ortodoxa, contra 17% na forma southpaw. Mas isso não é regra geral.
Dois grandes exemplos foram Oscar De La Roya e Mike Tyson. Dois canhotos que lutavam na forma ortodoxa, e que foram grandes boxeadores. Eles ganhavam a vantagem da surpresa pois seus jabs eram mais fortes e quando trocavam a base durante a luta, eram implacáveis. Mas suas marcas poderosas ficaram registradas por seus ganchos de esquerda.
No boxe, a lateralidade esquerda parece conferir certa vantagem na luta de acordo com os números. Poucos trabalhos científicos foram realizados para responder a essa pergunta, e um deles, uma pesquisa envolvendo lutadores turcos, mostrou que os boxeadores canhotos tem mais vitórias na carreira do que os destros. Mas não especifica o nível de performance dos lutadores envolvidos na análise. A qualidade dos números não parece impactante. Dificilmente você encontrará números acima de 5% de campeões mundiais de boxe que tenham sido canhotos ao longo da história.
O mesmo achado pode ser visto com atletas canhotos do judô, quando se observa que a eficiência nos arremessos é maior, o que seria um ponto de vantagem contra oponentes que se confudem no controle defensivo pelo fato da pegada ser diferente. Também, no wrestling, é comprovado que os canhotos conseguem mais medalhas de ouro em competições, por exemplo.
Já no MMA (Artes Marciais Mistas), um estudo com esses lutadores mostrou que não existe relação entre lateralidade e número de vitórias entre canhotos e destros. Mas quando olhamos para os melhores do maior evento do mundo, a história atual mostra que dos 11 campeões das 12 divisões do UFC (Ultimate Fighting Championship), apenas a campeã dos moscas, Nicco Montano, é canhota.
E essa estatística vem se mantendo nos últimos 10 anos. Sem levar em consideração que Conor McGregor, um dos campeões que perdera seu título por inatividade, também é canhoto. Essa estatística crua mostra que eles, ainda, se mantém como minoria, dentro do esperado.
O canhoto sempre será o alvo por ser diferente. Na prática, quando um lutador destro está programado para enfrentar um canhoto, todo o seu treinamento é estruturado visando as armadilhas e o jogo deste oponente.
Tempo e suor são investidos para enfrentar este padrão diferente de luta. Já para o canhoto isso não acontece, já que ele é quem oferece o problema. Seu esquema de combate muda pouco, pois se olharmos para seu cartel, na maior parte das vezes ele fez lutas contra destros.
Um dado curioso é que o percentual de lutadores canhotos presentes no MMA gira em torno de 17%, acima dos 13% encontrados na população, em geral.
Uma hipótese para explicar números inexpressivos de canhotos no MMA poderia se basear na diluição de habilidades que a mistura de artes marciais traz para o jogo. Os estilos de striking como Boxe, Muay Thai, Kickboxing, Tae Kwon Do e Karatê, por exemplo, oferecem uma análise mais direta da lateralidade onde velocidade e precisão são cruciais nos resultados.
Já a luta agarrada, envolvendo o jiu-jitsu, luta livre, wrestling ou judô precisam da proximidade para serem aplicadas, e quando executadas mudam a forma de análise de uma luta, podendo ser um ponto de nulidade contra um canhoto.
Se não está bom em um plano de combate, como na luta em pé por exemplo, o lutador pode mudar o rumo para outra esfera. Na linguagem popular, se estiver tomando um atraso de um canhoto na trocação, é só agarrar e levar a luta para outro plano. Tudo pode mudar.
Tudo o que é diferente chama a atenção. Em muitas das vezes, pode tornar-se incompreensível a sua frente, imprevisível. Assim, nada melhor do que um exímio preparo para se evitar desculpas de erros ou escorregos. De acordo com a ciência, ainda escassa na área, os lutadores canhotos podem levar vantagens em competições em níveis gerais, mas se tornam isso se torna mitológico no mais alto nível de nossas cadeias de atléticismo e de performance. Um campeão não escolhe o lado.
Fonte visitada em 30/07/2022
https://sportv.globo.com/site/blogs/o-cientista-do-esporte/post/2018/08/14/o-mito-do-canhoto-na-luta.ghtml
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