Com o aproximar de mais um ano escolar chegam também as preocupações e expectativas dos pais em relação ao rendimento dos seus filhos. Ainda poucos pais e nem todos os professores, sabem que o desenvolvimento motor da criança e todos os estímulos que ela recebe em relação ao seu esquema corporal e lateralidade, são fundamentais para o sucesso da aprendizagem das matérias escolares.
De um modo geral, o termo “lateralidade” significa a predisposição para utilizar mais um lado do corpo do que o outro, para realizar todas as actividades da vida diária, actividades escolares, desportivas, etc.. O lado dominante apresenta mais força muscular, mais precisão e maior rapidez na execução de tarefas.
Nos primeiros meses de vida, a criança é ambidestra, ou seja, tem habilidade para utilizar as duas mãos. A definição final da lateralidade só irá ocorrer entre os 6 e os 8 anos, mas é habitual que antes disso, a criança comece a mostrar preferência pelo uso de uma das mãos/pés; a partir dos 2-3 anos a criança começa a definir a sua lateralidade.
A lateralidade é definida da seguinte forma:
– Dextros: quando existe uma predominância clara e estabelecida, sendo utilizado o lado direito do corpo para a realização de todas as actividades;
– Canhotos: quando existe uma predominância clara e estabelecida, sendo utilizado o lado esquerdo do corpo para a realização de todas as actividades;
– Ambidextros: quando não existe uma predominância clara de um dos lados do corpo, sendo utilizados indiscriminadamente ambos os lados;
– Indefinida: quando a criança já tem cinco a seis anos e a preferência lateral ainda não se estabeleceu;
– Cruzada: neste caso, as formas mais comuns são: predominância do membro superior direito para algumas actividades e do membro inferior esquerdo para outras, e vice-versa; ou predominância do membro superior direito e olho esquerdo dominante.
Quando existe dominância direita ou esquerda, não é comum ocorrer qualquer perturbação no esquema corporal, mas quando a lateralidade é cruzada, os distúrbios psicomotores são frequentes e refletem-se na desorganização do esquema corporal, na orientação espacial e, consequentemente, na aprendizagem da leitura e da escrita.
Lateralidade e aprendizagem
Diversos estudos têm vindo a estabelecer relações entre os problemas relacionados com a lateralidade e aprendizagem escolar, como por exemplo em alguns casos de dislexia, disgrafia e discalculia.
A lateralidade da criança é observada a partir do seu desenvolvimento, não devendo ser estimulada; pais e educadores devem observar qual o lado que a criança utiliza preferencialmente e no qual demonstra melhor desempenho para actividades que envolvam habilidade e força muscular.
Quando a lateralidade não está bem estabelecida, surgem problemas a nível espacial; a criança não se apercebe da diferença entre o lado dominante e o outro, não aprende a utilizar correctamente os termos direito e esquerdo, apresenta dificuldade em seguir a direção gráfica da leitura e da escrita, entre outros aspectos.
O técnico de psicomotricidade, pode reconhecer a dominância através de uma bateria de testes específica para a lateralidade dos membros superiores, inferiores, visual e auditiva. Esta avaliação só pode ter um resultado concreto quando a criança tiver seis anos de idade, sendo esta a idade na qual a dominância lateral já deverá estar definida.
Apesar de nem todas as crianças com lateralidade cruzada manifestarem dificuldades de aprendizagem, é frequente observar-se:
– Quedas mais frequentes;
– Fraca coordenação visuo-motora;
– Dificuldade na autonomização da leitura, escrita ou cálculo;
– Ler muito devagar e com pausas;
– Dificuldade em manter a atenção;
– Dificuldade na organização do espaço e do tempo;
– Dificuldade na ordenação da informação codificada;
– Confusões direita-esquerda que dificultam a compreensão da dezena, centena;
– Confusão ente a soma e a subtracção ou entre a multiplicação e a divisão;
– Dificuldade no esquema corporal, especialmente na distinção de direita/esquerda no próprio corpo, nos outros e em relação a objectos;
– Melhor nível de compreensão das explicações verbais que das tarefas escritas;
– Preferência pelo cálculo mental que pelo escrito;
– Escrita em espelho, de “cabeça para baixo” ou mesmo ilegível (omissões de letras ou sílabas).
Nestes casos de lateralidade cruzada e lateralidade indefinida, um trabalho específico de psicomotricidade é fundamental para auxiliar a estabelecer e organizar a lateralidade e esquema corporal da criança.
Orientações para os pais
– Não estimular ou provocar a definição da lateralidade;
– Colocar os talheres posicionados em frente da criança e no centro;
– Posicionar os lápis, brinquedos e outros objectos à frente e no centro da criança; ela irá utilizar a mão preferencial;
– Os desenhos para colorir não deverão ser muito grandes, para que a criança não canse a mão que está a utilizar (a preferencial) e tenha de trocar de mão;
– Fazer actividades de “encontrar” os erros em 2 desenhos semelhantes;
– Reconhecer a posição do corpo em relação a um objecto: à direita, à esquerda, atrás, etc;
– Lançar e apanhar objectos (bolas, balões, etc.);
– Tocar cada dedo com o polegar da mão respectiva;
– Manter um objecto em equilíbrio numa mão enquanto com a outra se faz outra acção;
– Escrever grupos de palavras que comecem por letras de simetria inversa; – Actividades de seguir linhas, caminhos e labirintos.
O desenvolvimento da lateralidade e consequente domínio corporal é um factor fundamental no processo de aprendizagem. Através de jogos e actividades, as crianças, além de se divertirem, experimentam, aprendem e relacionam-se com o mundo em que vivem. Por isso, cada vez mais, pais e educadores devem interiorizar que os jogos e as brincadeiras são fundamentais para o desenvolvimento saudável, devendo ocupar um lugar de destaque na vida de qualquer criança!
Drª Sara Louro
Técnica de Educação Especial
Clínica da Educação