O lado esquerdo da vida

Vera Lisa Barroso

Embora barbaridades do género de amarrar a mão esquerda da criança, para ela se adaptar à mão direita já não se pratiquem, o facto é que os canhotos continuam em “desvantagem” na nossa sociedade.

Em pequenos-grandes detalhes que afectam o seu quotidiano. Qualquer canhoto está neste momento a abanar com a sua cabeça lembrando-se das maçanetas das portas, dos corrimões das escadas, teclados e ratos de computador, abre-latas, tesouras… E embora existam hoje muitos produtos concebidos para canhotos, a desvantagem ainda existe.

Durante muitos anos, ser canhoto era considerado um defeito que tinha de ser corrigido. E alguns professores não hesitavam em usar a palmatória para ensinar essa lição aos alunos que insistissem em escrever com a mão esquerda.

De facto, o que determina se a pessoa será destra ou canhota é o cérebro. Este está dividido em 2 hemisférios, sendo que cada um controla a parte oposta do corpo. A preferência para usar uma mão mais do que a outra é chamada dominância lateral e a sua determinação pode ser dificil, uma vez que nem todos preferem uma mão para fazer todas as tarefas! Por exemplo, uma pessoa poderá comer a sopa com a mão direita, mesmo usando a esquerda para escrever.

Algumas pessoas são nitidamente destras e outras são nitidamente esquerdinas, mas entre estes dois extremos situam-se um grande número de pessoais mais ou menos lateralizadas e mais ou menos ambidestras, de dificil definição concreta.

Sabemos que até aos 6 anos a criança aprende a utilizar um dos lados como dominante, realizando actividades com uma das mãos melhor do que com a outra. No inicío da vida, quase não há prevalência de nenhum dos hemisférios.

A criança pega os objectos com as duas mãos, de forma proporcional para os dois lados. A partir do 2º mês, as acções da criança são mais unilaterais, dependendo o lado do tipo de movimento a ser realizado, estímulo, intensidade, etc.

Entre o 4º e o 7º mês ela ainda não consegue segurar dois objectos aos mesmo tempo, um em cada mão; quando vê algo novo, larga o que tinha na mão. Ao 7º mês, a criança pode segurar numa das mãos um objecto, enquanto abre a outra mão para segurar outro.

Até ao ano de idade não se verifica nenhuma preferência pelo uso de uma ou outra mão. A partir desta altura, uma mão torna-se mais hábil, apresenta mais facilidade e começa a dominar mais. A lateralidade começa a evidenciar-se neste período, mas só se pode falar em predominância entre os 5 e 7 anos de idade.

A dominância lateral é por isso progressiva, evidenciando não só o uso predominante de uma das mãos, como também da melhor perna para chutar a bola, do ouvido mais apurado, do olho mais atento. É importante perceber-se que a lateralidade deve surgir naturalmente e não deve ser imposta.

A criança precisa experienciar os dois lados sem ninguém interferir: os pais não devem direccioná-la. A incompreensão destes, ou dos outros adultos que trabalham e convivem com as crianças, podem levar a condutas incorrectas, como a de forçar a criança a usar a mão oposta à da sua dominância, podendo surgir problemas, desde distúrbios na aprendizagem até insegurança e dificuldades graves na auto-estima.

Deve oferecer-se às crianças um ambiente livre de tensões e limitações, encarando com naturalidade se elas preferirem a mão esquerda à direita.

Ambas as estruturas mentais, de canhotos e de destros, funcionam qualitatitavamente ao mesmo nível. Investigações neste campo têm provado não haver quaisquer diferenças intelectuais. Se há canhotos que experimentam algumas dificuldades é apenas porque têm que se adaptar a um contexto organizado e com objectos só para destros.

E é daí que advêm algumas pequenas diferenças nas crianças, que se notam particularmente na escola. as noções de espacialidade, tais como dentro, fora, frente, atrás, direita, esquerda, perto, longe vão-se adquirindo nas vivências práticas do dia-a-dia. Logo, num mundo de destros, os esquerdinos terão menos oportunidades de “experienciação” que lhes permitam uma lateralidade tão qualitativa como para os destros.

É frequente as crianças canhotas fazerem desenhos que são a imagem em espelho das figuras copiadas. Por vezes, também escrevem em espelho, isto é, escrevem letras ao contrário, nomeadamente “E”, “7”, “3”, “5”, “L”. Ou fazem inversões de letras numa palavra: “UO” em vez de “OU”. Ou confusões como “PARTO” em vez de “PRATO”, “ESTE” em vez de “SETE”. No entanto, tudo isto é facilmente corrigido em crianças sem outras dificuldades. Basta estar atento!

Fonte visitada em 07/10/2020

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